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quarta-feira, 13 de outubro de 2010

Dizeres Póstumos

"Deixa ser." Tudo se desfaz, então...

"Acho que foi melhor assim. Aqui não era o seu lugar. Mas, querida, eu não posso ir também, me perdoe." Ele adornou seu pescoço com diamantes brancos. Denotava sua essência: aprendera com ela que as pessoas na vida são como diamantes brutos sendo lapidados. A dor é para cortar, precisa e pungente, pedras soltas na natureza. Um dia, seu Dono as recolhe, quando, enfim, são perfeitas para escrustar os céus como brilhantes insignes. - Uma dor chamada saudade era anestesiada com a lembrança das convicções dela. Ela sempre quis fazer as pessoas sorrirem. Ela quis amá-las. Ela quis ser essa intensidade.
"Você, impetuosa, sempre quis viver uma vida descomedida, sempre quis ir além de sua própria natureza. Você buscou isso de todo o coração. Espero mesmo que você tenha encontrado tantas aventuras quanto as que eu vivi com, por e em você, meu amor..." Ela, então, podia descansar sabendo que tinha chegado tão longe quanto tinha intentado, seus sonhos eram independentes das outras páginas antes manchadas. (A lua inundava o céu com seus pêsames. O vento urrava,  soprava um som morbidamente gélido em seu corpo morto, mas ele ainda não tinha se dado conta da dor.) Anestesiado.
" Eu te avisei, não avisei? Por que foi que você tinha que deixar seus suspiros ardentes se esvairem e esfriarem pelas pessoas de seu amor? Por que foi que foi que você quis pagar com a própria vida? O que você queria sabendo do preço dessa paixão? Você sabia do final! Você sabia que havia um preço a ser pago, que, se não a mim, amaria à solidão! Você também sabia que essa solidão iria te matar. Você era convicta de suas razões, mesmo que fossem mentiras. Você era capaz de acreditar nas mentiras que você mesma inventava. Não eram mais blefes ou meias verdades, tornavam-se axiomas ao adorno de suas palavras.... você se matou! Foi culpa sua! Não me faça acreditar que sou eu o homicida traiçoeiro nessa história de amor... Foi culpa sua! Foi você que se matou! Você se matou!" deixava ali lágrimas e palavras. Muito mais lágrimas do que palavras, na verdade. Não mais a latência da verdade: era a expressão mais pura e selvagem da angústia dela revelando-se a ele, então.
" Droga! Você não podia ter me deixado assim, não! Por favor, não.... não, não, não! Quem vai tomar o seu lugar? Me diz! Eu não sei o que fazer, não sei. Você me abandonou... você, você mentiu quando disse que era para sempre. Você mentiu! Se foi...foi você quem escolheu ir! Você se matou! Você mentiu para mim, mentiu...não era para sempre... " jogou umas cartas velhas ali dentro com ela.  Eram cartas de amor. Inúmeras, todas as verdades voltavam-se contra a autora. Ainda eram verdades, mas dolorosas demais. Teria sido cruel, intolerável que ele as guardasse para sempre. Teria sido para sempre. Para sempre.
"EU amei você para sempre. Eu te amei esse tempo todo, e você nem sempre viu. Eu amei você mesmo assim. Eu amei de verdade, quando você era dúvida. Eu amei você no infinito! Por que você nunca acreditou em mim? Por que você tinha que se achar tão pequena a ponto de ser cega? Você foi estúpida! Era tudo e perdeu-se por nada. Morreu por nada. Nada!Nada.... nada nesse mundo vai te trazer de volta agora, nada... Então, perdi tudo. Você é tudo, meu amor!" Silêncio. Não haveria respostas. Ela não mais podia perceber o tamanho do amor com que ele a encobria. - Era apenas seu corpo inerte ali. Insípido. Sua pele já era pálida, seus lábios não eram mais rosados. Ela estava ferida, havia manchas roxas, suturas, mágoas, lágrimas, tristeza ao longo dela... ela era a dor que permanece depois do acidente que é a morte derrubar a vontade de viver.
A Lua recitava para ela, palavras ao vento. Dores lançadas ao vento. Saudade que resistia ao vento. Saudade que residia no vento. Era frio, e não devia fazer tanto frio. Era fogo que ardia sem se ver. - Ela não via. Nunca acreditou que merecia ser amada. Mas amava. Ela estava sempre deslumbrada com vidas alheias, ocupada demais para aperceber-se de sua própria beleza. Uma tonta. Ele, confuso. Nunca soube, também, como fazê-la saber do brilho que pulsava em tudo quanto ela fazia. Teria sido ela para sempre. Para sempre.
" Eu te perdoei, você nunca acreditou. Burra. Você era maior que os erros. A falta do seu sorriso custa mais que aquela dor. Qual foi a dificuldade em entender isso, meu Deus? Eu também errei, e você me perdoou todas as vezes! Qual foi a dificuldade em se perdoar, qual?" Amada, amada demais. Apesar de toda dor que havia causado (e há tanta dor na traição...). Viveu marcada pelas marcas que deixou, desde então. Nunca mais se deixou esquecer da agonia pungente que era apunhalar alguém amado. Nas costas. Culpa. Mas ela amou. Amou sim. - Beijou-a uma vez mais. Os lábios frios. Faltava sua poesia angustiada. De tanto amor. De todo desejo. De perfeita loucura. Ah... sua loucura adocicada, como o pouso de uma borboleta singela após o voo. Acariou seu rosto suave. " Eu te perdoo, meu amor. Você é maior..."
Não terminou de dizer. Uma luz branca invadia a noite sem pedir licença à lógica: podia ser apenas um sonho.
Ele ouvia a risada dela. Ah, aquela risada louca adocicada.... a louca doçura ou a doce loucura dela. A cena era branca. E o sorriso dela descia na soma de todas as cores. Ela sorria com todas as cores.
Verde, ela sorria deitada na grama dum campo distante, tomado pelos dois. Amarelo, o riso dela era mais forte que o Sol. Azul, ela era a Lua sobre o plano da noite. Laranja, ela ria à-toa sobre uma colcha, só para ele. Violeta, ela descia uma escadaria num vestido longo, tinha jeito de flor. Rosa, ela dava risada e a boca suja de algodão doce. Vermelho, sua cor preferida: era uma mar de rosas e a sua pele nua. Com todas as cores. O sonho transfigura-se, então.
Os axiomas ao adorno de suas palavras... ela caída no chão, pela última vez: ferida, havia manchas roxas, suturas, mágoas, lágrimas, tristeza ao longo dela.
-Você sabia do final... amaria à solidão. - Teria sido cruel, intolerável que ele guardasse sua intensidade (inconstância) para sempre. Teria sido para sempre.
-Não houve blefes, nem meias verdades. Houve verdades, querido. Você não tem fé no que digo. Eu digo o que sou. É que já fui poesia diluída na alma de poeta. Sabia que o poeta é destinado a sofrer mais?, foi o que me disseram quando nasci. Agora, só restou poesia, meu amor: acredite em mim dessa vez, por favor...
Acredite, eu não me senti sozinha. Houve esperança em cada lágrima. Houve quem cuidasse de mim, na sua ausência. Você só não pode ver. E eu não te amei menos por isso, não. Eu amei você para sempre, sempre.
-Me perdoa. Me perdoa por nunca ter conseguido te fazer acreditar. Me perdoa por não conseguir acreditar. Me perdoa, por favor, me perdoa. - Disse mais lágrimas, do que palavras.
-Não chore, meu bem. Não chore. Eu prometo que estou bem. Agora, sim. Agora eu acredito no seu amor. Me perdoe por não ter sido capaz de me ver no seu coração antes. Não fiz por mal: sempre me achei pequena demais para você. Mas você me aceitou mesmo assim. Obrigada, meu amor. Obrigada pela sua companhia. Obrigada por essa poesia que me inspirou um amor apaixonado, louco, feliz ao seu lado. Obrigada, meu grande amor.
Ela colocou as mãos no rosto dele. Acariciou-o (suas mãos eram frias). Seu corpo passou a dissipar-se no ar. Seus cabelos e sua face flutuavam, então. Sua boca escureceu. Primeiro, cor-de-sangue, depois, lábios vermelho-quase-vinho. E ela aproximou-se mais. Beijou-o uma última vez. Era quente. Abriu os olhos e já não podia mais vê-la. Podia sentir. Fogo que ardia sem se ver. Ela era chama cada vez mais quente. Fechou os olhos, sentiu o corpo dela no dele. Eles se amaram mais: incêndio.
O fogo, de repente e sem mais, nem menos, foi soprado por um vento. Aquele calor fez frio, então. Era frio, e não devia fazer tanto frio. Mas todas as dores lançadas ao vento, também. Restaria apenas a saudade. Saudade que resistia ao vento. Saudade que residia no vento.
Do rosto dele, escorreu uma lágrima. Escorreu saudade. Passeou pela maçã do rosto, caiu em sua mão direita. Enfim, o fim.
Não soube depois dizer por quanto tempo durou tanto amor, ou por quanto tempo durou o ultimo beijo. Lutava contra o tempo pelos detalhes. Não queria esquecê-la. Queria o direito de guardar cada detalhe. Cada curva do corpo dela. Cada um de todos os beijos. Todos, todos eles. Cada vez que ela declarou seu amor a ele, de todas, todas as vezes. Cada poesia, de tudo, tudo que ela é.
Sua mão direita, de repente, doeu. Uma dor interna, como se sua mão queimasse de dentro para fora. A dor ardia cada vez mais. Piorava em uma progressão inexplicável. Era como colocar a mão num lago de fogo, não, era pior, era tocar o Sol. Não importa, queimava por dentro. Ele gritou. De dor.
Prostrou-se no chão e, agachando-se, levou a mão ao peito(não sabia, mas estava exatamente em cima de seu coração). E o coração ardeu mais que a mão. Ele chorou. De saudade. Chorou como um bebê. Depois, percebeu que sua mão não mais doía. Fechou os punhos e sentiu algo espetar. Em sua mão, havia uma rosa vermelha (como os lábios dela da última vez).
Aquela rosa ele plantou sobre a sepultura de seu amor. Mal sabia ele que ela jamais iria morrer.
Foi para sempre enquanto durou. Para sempre.



à Inspiração
Por Camille Lyra

Quem sou eu

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Camille Lyra. O nome fala muito da feição, tanto na sua significância quanto na sua origem; já o sobrenome faz jus à escrita predileta da autora. Sempre curiosa demais, sonhadora demais, ambiciosa demais, romântica demais, intensa demais. E, daquilo que exceder tudo isso, faço poesia.