Entre, leia e ouça-me...

segunda-feira, 10 de dezembro de 2012

"Here is to life, death, love and colors..."


Meu coração repousa
No topo duma montanha longínqua
A mais alta, a mais bela
A mais imensa, a mais poética

Meu coração pacífico
Pulsa e então inunda
A grande montanha mavı
Que é então pintada kırmızı

Eu penso nas cores
kırmızı e mavı
Tão opostas, mas ali,
Na montanha gelada, tão íntimas...

Meu calor kırmızı
Sobre teu frio mavı
Meu sangue é lava
Teu peito é gelo

Eu penso nas cores opostas...
Tão próximas, apesar de tão distantes
Ou tão distantes, apesar de tão próximas?
A verdade é que tudo são cores...

Eu penso kırmızı
Você, mavı
Haverá como misturá-las tal como em aquarela?
Seremos os dois, enfim, mor?

Na verdade, as cores são tudo.


 Uma Breve Lembrança à Morte, de Markus Zusak ...

terça-feira, 4 de dezembro de 2012

Das Páginas do Meu Diário

Eu não sou um livro em branco. Tenho essas dezoito páginas rabiscadas, escrevinhadas, improvisadas, redigidas. A minha caligrafia poucas vezes adorna o papel. Sou humana e na vida real não existe liquid-paiper. Apesar disso, minhas humildes 18 páginas têm histórias para contar.
Algumas páginas estão manchadas de tristeza. Eu chamo essas manchas de lágrimas, há quem chame de silêncio e há quem chame de esquecimento. Há também aqueles que passam a escrever por cima desses borrões no texto, uma pena. É possível até que por cima haja um belo desenho, mas o autor nunca se esquecerá que seu bonito desenho está a esconder uma tristeza.
Eu prefiro dar às lágrimas o seu espaço. Vão, distorçam a tinta que vocês tiverem que distorcer. Ainda assim, fui eu quem escrevi. Cada uma dessas manchas me ensina que a dor existe para (de)lapidar a alma. Façam, pois, o que têm que fazer: firam, despedacem, manchem-me as belas palavras. Apenas terminem logo com isso. Há de restar um pedaço de alma aqui e ali. Um dia, eu costumo dizer, essa alma restante será um diamante. Um daqueles que brilham lá no céu.
Eu sempre amei o céu à noite. Sou apaixonada pela Lua, chamo-lhe de Cheshire, porque me apaixonei pelo seu sorriso. Penso nela como esse grande gato gordo e sinto-me numa encruzilhada qualquer no País das Maravilhas. Sua dona, a Rainha de Copas, bem me disse que não se pode conquistar nada com lágrimas. Nada de formar, pois, lagoas com a tristeza. Sábio conselho.
É por isso que não guardo mágoas e procuro não afogar todos com o meu chororô. O rancor é, no entanto, mais como um oceano que se forma, tempestuoso, e cujas tormentas afogam tudo que há pela frente. Quanto amor já não morreu afogado por aí? Que crime terrível seria matar afogada tanta vida que ainda há!
Há também os medos, que me fazem chorar, mas os quais enfrento quando preciso. Há muitas criaturas medonhas pelos bosques e, à noite, os fantasmas surgem. As bruxas más do Leste e Oeste vêm para desenhar, marcar e tatuar as minhas páginas, e preciso enfrentá-las, quem escreve a minha história sou eu, não elas! Se tenho medo? Claro! Mas não existem corajosos que não tenham medo nas histórias da vida real. Aliás, não há heróis na vida real, há apenas um espantalho, um homem de lata e um leão covarde que eventualmente ajudam-me pelas estradas de tijolos amarelos.

segunda-feira, 5 de novembro de 2012

Acalanto

Descansa, príncipe.
É vero, bem sei
Teu caminho no tempo é distante...
Deita teu olhar exausto no meu, constante
Derrama, enfim, tua alma profusa e absconsa
Enxugá-la-ei, precisa, com minha trança...

Dorme, anjo.
Jaze em meu seio
Como se fosse nuvem,
Ouve as carícias como um acalanto
Baila, então, por entre o sonho etéreo,
Enquanto acalmo as tormentas de teu pranto...

Sonha, querido.
Veleja tranquilo,
Eu sou o vento.
Beijarei teu firme fronte,
Despetar-te-ei como a Estrela
Eu sou teu horizonte.

Amanhece, amante.
Eu sou ressaca,
Dá-me teu coração:
Eu também sou praia,
Dá-me, pois, teu coração...
Fá-lo-ei protegido,
Nas conchas de minhas mãos!

terça-feira, 11 de setembro de 2012

Yours to keep

Eu sou teu passarinho!
Amanhecerei todo dia em tua janela
pois vi, amor, you set me free
When we play, when we laugh
When you hold me tight
When we love 'til the sun rise...

Eu sou tua tatuagem:
que tu ne peux pas comprendre
toutes les couleurs, toutes le nuances
Mas que habita luzindo em teu olhar,
que salta imensa em teu peito,
que mergulha profundo em tua alma...

Eu sou teu livro...
com quem passas as tardes de Domingo,
tão imerso em contos sem-fim.
I'm a child, I'm your little baby
Je suis grande, je suis ta femme
Eu sou amada, eu sou tua namorada...

I'm a pleasant music, I'm your sweet harmony
Je suis une danse à minuit, je suis tout tes mouvements
Eu sou poesia, eu sou o teu tempo:
Suddenly, we're every rime, every song...
Toujours, nous sommes la écrasant passion!
Agora, tu e eu somos além do tempo...


quarta-feira, 27 de junho de 2012

Dois Castiçais

As velas acesas,
é escuro
o dia passou sorrateiro
Já deve ser tarde, amor

Os olhos velam
um ao outro
brincando, sorrindo
Já é tão sincero, amor

As palavras extasiadas
no silêncio dos olhares acesos,
e não existe nada além de dois
Já é tão verdade, amor

Os olhos conversam
noite adentro,
entretidos, ávidos
Já se faz escasso o tempo, amor

Já é tarde,
os olhos bruxuleiam,
mas não se deixam um segundo:
Deixa apagar tua vela ao lado da minha, amor...

sábado, 16 de junho de 2012

Carta a uma Desconhecida

Não sabes meu nome,
mas eu sei o teu,
sei o teu nome
e tomei de ti teus sonhos,
teus amores,
teu coração.

Não te peço, pois, perdão.
Peço-te um sorriso
que jamais eu hei de ter,
um brilho novo no olhar
que eu jamais eu hei de sentir.
Peço-te que eu seja a tua maior inimiga,
se teu caminho tornar-se mais excelente,
Peço-te que eu seja a tua melhor amiga,
se houver qualquer coisa em mim que lhe faça bem.
Peço-te que me vejas sorrir feliz,
e saibas sê-lo melhor do que eu.
Peço-te que me vejas chorar,
e saibas ser mais forte do que eu.
Peço-te que me vejas nua,
e saibas ter a alma mais bela do que a minha.
Peço-te que não me esqueças
que eu seja tua marca profunda,
tuas lágrimas, teu grito, tua dor:
que eu seja o teu fim...

Um dia, hei de ser,
então,
nada mais
do que o sinal
do teu recomeço,
Desconhecida.

Nada mais justo.

terça-feira, 12 de junho de 2012

A Bela

Estava adormecida,
dormia taciturna
no colo do meu senhor,
um senhor culto, grave
doentio, triste.

Mas hoje, decidi:
deixei seus braços!
deixei-os, juro!
Cansei-me,
Mudei...

E vim até aqui,
porque eu queria dizer
que dizer, simplesmente,
não é simples:

É trançar os cabelos
da tonta Psiquê,
- comporte-se, mocinha -
pra você.

Rasguei o meu silêncio,
porque queria mostrar
tanta coisa
que vi
que sonhei
que amei....

Leitor,
tão caro leitor...
saí do silêncio, você me acordou...

sábado, 24 de março de 2012

O Pianista (ou das metodologias transcendentalistas para escapar da rotina)

Espíritos choram famintos, silenciosos, velados, em meio a uns chamados tique-taques, famigerados ruídos patenteados pelo homo sapiens. (Sapiens?)
Esses tique-taques banais são nada mais do que esquecimento. E um esquecer consentido!
"Caro, tique-taque, permito-lhe tiquetaquear em meu peito, inadvertidamente. E permito-me ser levado(a) por todas as suas rotações circunlóquias. Permito-me ensurdecer, ensandecer." 
Dei-me com um desses bípedes por aí outro dia. São muito parecidos com os macacos, às vezes. (Devem ser primos, né?) E esse me disse:
-E o que é esta apatia dengosa, essa misantropia tácita, essa dor insossa, incolor, essa falta-de-graça taciturna? - Cada dia era-lhe um gole da humana garrafa de cicuta pungente. E sem direito sequer a final algum. Não era nem triste, quiçá feliz(-para-sempre)! Era uma solidão no metrô na hora rush. Era rotina de praxe. E só estamos criando o tempo para não termos mais tempo, ok? 
Deve ser coisa de algum gene (ou falta de-) dessa tal de evolução. Mas evolucionismo de ponta, não é Darwin? Nós já fomos amebas! (Fomos? Passado?!). E tem direito a Big Bang e tudo mais. Nietzsche, será que dá pra prever as combinações de forças com probabilidade aplicada? Não me canso de matemática: amor fati, com certeza! Nostradamus devia estar mal das pernas em tabuada...
Mentira, mentira. Esse tal bípede era eu. Cheia de questões, cheia de respostas, solução alguma. Tristeza, apenas. Tristeza calada, consentida, prevista na agenda, procedimento de rotina, cliché.
Tique-taque
Tique-taque
Tique-taque
Tique-taque
Tique-taque
Tique ARGH! QUEM DIABOS NÃO ACHA ISSO INSUPORTÁVEL? -taque
Tique  Eu tenho fome, muita fome. E sede, muita sede.-taque Os lábios ressequidos tique a cabeça não dói, mas, o peito. -taque
Tique Quem pode me dizer o de que preciso? Seu doutor, nasce no peito, na alma, no âmago... ah, como dói meu pobre coração proletário! E corre pelo sangue, e o corpo, cansado, dói. E todos os tesouros burgueses, que paguei com meu caríssimo tempo, não valem nada (deve ser essa tal de inflação...!). Padim Ciço, tu me dê adjitório, que, arre-diabo!, tou jururu, tou capionga, tu não vá me dizer que não tem reza de padre velho que me dê jeito! 
Falta alguma substância essencial, metafísica, transcendental. Que alma é essa que não voa, mas tem asas? Quem pode acreditar que a Psiquê é capaz de viver engaiolada? Ser-ou-não-ser, já não há mais tempo, nem opção. É muito quente perto destas poderosíssimas grandes máquinas, as existências foram fadadas a entrar em ebulição... ei-lo, a partir de então, o duro e frio império do ter-ou-não-ter. -taque. - O síndico, seu Chronos, lá do condomínio não dá arrego pra ninguém.
Pois bem, vou é arriscar fazer um foguetinho de papel, pintar com tinta guache, vermelho-azul-amarelo-rosa, muito colorido, e pronto! Alquimista que sou, só preciso de bicarbonato de sódio e vinagre pra poder partir da  Terra. Um salto pela janela e saio a voar para a Lua, e até beber no seio da dona Via Láctea (Mãe, será que a senhora pode por o Nescau na minha trouxa?). Et au revoir!
Empenho-me na longa viagem, mas ainda há fome, sede, dor e tristeza, todos pungentes como cheiro de raiz-forte, onde foi que deixei a minha cicuta? Houston, we have a huge problem! Minhas fugas são insustentáveis todo dia, são um erguer-a-cabeça-para-não-se-afogar-no-mar. Um mar em que boiam compromissos-agendas-estudo-trabalho-dinheiro, contas-pra-pagar e bocas-pra-alimentar. Qualquer coisa a mais do que isso, é facebook, hora extra ou blábláblá de psicanalista. Hora da famosa atterrissage forcé, mayday, mayday!
Tique Caída, prostrada no chão, jorra água pelo -taque olhar. Tique Tanta água que dá para matar a sede do mundo inteiro -taque, menos a minha. Tique Faz silêncio, e silêncio que traduz-se em solidão, dura e fria, não tenho, nem sou. Tantas respostas, nenhuma verdade. Por que tanto tempo agendado para sofrer?-taque E os sonhos? Quando foi que eles perderam para o automatismo proletariado? Tique 
- A tristeza foi feita para doer, a dor, para se chorar, mas as lágrimas, para serem enxutas. A fome e a sede, para serem sanadas. E o silêncio, para ser preenchido, mas Psiquê, para dançar livre no ar.- Quem me disse isso foi um homem que me estendeu a mão e, levantando-me do chão duro e frio, sentou-me ao seu lado em um banquinho. E ele começou a tocar...

Era uma sala vazia, sem janelas, sem portas, imensuravelmente grande e branca. Ao centro, um contraste: um enorme piano negro, sombrio, tétrico, ali, antes só e calado; mas, ao movimento das suas mãos, cada nota, simplesmente. 
O piano, um manjar, um maná, o pão-de-todo-dia. Um vinho, aussi, un Bordeaux, un Premier Grand Cru - on va boire du Château Latour, s'il vous plaît - Um brinde a Debussy! Chopin! Bach! Et à tous les autres maîtres! Mas aquele Pianista era melhor do que todos esses homens. Juntos.  Porque seu instrumento tinha cordas que vibravam dentro de mim. Porque a música vinha de dentro do meu peito! Porque eu estava para além dos domínios de Chronos, onde não há máquinas, nem vapor, nem fumaça, nem dor, nem tristeza, nem nada. Só música, vontade de dançar, de voar! E levantei, dancei pela sala, dando voltas, piruetas, giros, suspiros, risadas... e o Pianista tocava para mim, dizia que eu dançasse, que era para mim... e eu chorei. Chorei imensamente. Aquela música era para mim... E continuava chorando, sim, mas de alegria... - Caríssimo interlocutor, espero que você possa fechar os olhos e esquecer do resto, aussi, só por uns minutinhos, vai? Dança comigo?
"Então, vamos todos olhar para o mundo com nossos próprios olhos. Será a resposta para a infinita pergunta de nosso intelecto - o que é a verdade? O que é bom? - Construí vosso próprio mundo. Vossa própria mente adotará enormes proporções quando desabrochar. Uma revolução nas coisas irá determinar o fluxo dos espíritos."

quinta-feira, 19 de janeiro de 2012

Dos Meus Namorados


Hoje acordei com vontade de contar um segredo. Promete guardá-lo? Não conte a ninguém, tá? Tá! Há muito que venho escondendo um-e-depois-mais-outro-e-mais-outro dentro do quarto no armário, nas gavetas, nas estantes, dentro do travesseiro... e agora são tantos que não posso mais os controlar! Vez por outra deixo sem querer algum escapulir e sair aprontando pirracento por aí, só porque não o apresentei a ninguém. Está bem, está bem, eu conto! Sou uma mulher poliandra. Quê? Poliana? Poliandra!
Tenho mesmo muitos muitos namorados! E, aham, eles sabem tudo! Tudinho? Tudinhozinho! Zin-zin? Zin-zin-zin! Oras, como alguém como muá, una amante impetuosa de las cosas hermosas, poderia escolher dentre todos eles só um? Pas possible!
Mes petit amis são verdadeiros sedutores, de um charme peculiar e venenoso. São verdadeiros magos perversos, sempre se divertindo às custas da minha ingênua, coitadinha dela, lucidez. Eles me enlouquecem, me vencem pela paixão, pelo desejo, pela vontade de ser e de acontecer e... ahhhhhh, mes amoureux magnifiques! Estou perdida e irremediavelmente apaixonada por eles, os meus pensamentos, ideias encantadoras!
Quando esses genuínos príncipes ainda persistem fielmente em me acompanhar pelas esquinas e até a porta, então, pronto: c'est l'amour! Dou-me a preparar cerimoniosamente nosso ninho, provido de lápis, borracha, caneta e, claro, um caderno romântico, em que possamos desflorar os prazeres mais imensos e mais irresistíveis da carne durante fins de tarde intermináveis de cocktail parties for two, e às noites estreladas e cheias-de-lua, como dois foras-da-lei secretamente amando em cima do telhado, e ainda, para os mais vorazes, tenras manhãs de carícias e cantos etéreos...
Enfim, eu acabo por estar eternamente enamorada depois disso. Meus pensamentos ciumentos arrajaram esse meio de garantirem que eu nunca os esqueça, this foxy cunning tiny little creatures o' mine. Daí sugem os textos, os retratos, as provas concretas de que a libertina Psiquê anda a se divertir por aí com todas as ideias e todos os pensamentos que lhe dão na telha.
Leitor, namorados; namorados, leitor. Devidamente apresentados, enfim. Oras, vejam só as coisas loucas que esses meninos me fazem contar! Está melhor agora, meus amores? Não? Acho bom! Agora comportem-se e vamos me ajudar com o próximo post, por favor.

terça-feira, 10 de janeiro de 2012

Em Babel (das confissões)

Era uma vez um vestido róseo de cetim que percorria as escadas sem-fim em degraus soberbos absolutos. Havia em meio aos laços, às purpurinas, aos arrebiques e às joias da indumentária a dama, dona de uma cútis virginal - porém dissimulada, que aquela era deveras entendida de caminhos outros-. As longas negras madeixas de mademoiselle já seriam aptas para encobrirem-na de toda sua garbosa nudez, tão extensas que eram; mas suas vagas-quase-cachos estavam rendidas em uma trança austera que rastejava cada vez mais alto, ao infinito intangível das escadas. Seus fios, domados tal como ela. Mademoiselle, atada a infinitos que escalava sem sabê-los incompreesíveis.


 Февраль. Достать чернил и плакать!
Писать о феврале навзрыд,
Пока грохочущая слякоть
Весною черною горит. 

(Black spring! Pick up your pen, and weeping, 
Of February, in sobs and ink, 
Write poems, while the slush in thunder 
Is burning in the black of spring.)

Os olhos naquele vestido ignesciam para a noite primaveril recém-nascida. Pré-matura esta criança era, que a dama carregava nos braços tão frágil, tão fria. Ela embalava o choro, fazendo-lhe um berço morno com laços e purpurinas e arrebiques e jóias de cetim. Sua mãe amou a cria e, com um ósculo seco, bebeu da via láctea, que transbordou no seio; era a Madrugada...
O seio arfava, exaurido, já se rendia pouco a pouco, exausto da vigília. Era sempre mais alto, ela subia os degraus autômata-resoluta. Seus olhos cediam, piscavam, faiscavam, extinguiam... uma lânguida melancolia vinha pairando, tomando o governo absoluto das escadas; e a madrugada, safa dos braços, saía a engatinhar brincando pelos degraus da torre de Rapunzel.
A princesa subia insone. E, mais do que vestidos encantados e longas madeixas e chamas rubras e melífluos filhos do tempo, havia pesadelos e morcegos negros negros negros e chuva e trovões e tempestades.
E ébria ascendia ansiando escapar de seus funestos desvairos.
E sonhava com um anoitecer distante em que agouros maus morsegavam sua tez glacial apática. Eram aflitos aqueles olhos que a ninguém luziam mais; posto que restara nada. Subsistira somente aquele corpo qualquer prostado, enfadonho, desmoronando em uma torrente.

Достать пролетку. За шесть гривен,
Чрез благовест, чрез клик колес,
Перенестись туда, где ливень
Еще шумней чернил и слез


(Trough clanking wheels, throughg church bells ringing
A hired cab will take you where
The town has ended, where the showers
Are louder still than ink and tears)

Ela fizera de tudo nada-niente-nothing. Era uma donzela troçando das cousas sérias. Negligente. Egoísta. Mentirosa. Impassível. Traíra sem pensar em nada-niente-nothing-rien-nihil. E professava que mentiras eram verdades pelo palácio, cínica, sonsa. Não tinha sido por amor.
- ...é logro!
- Que há, moça? Que há?
- É tudo-tutti, everything, tout-omne, Cuca! Ho perso il mio cuore... (et est-ce que ubi amor, ibi pax? C'est ça?) Então, não há de se fazer qualquer coisa por isso?! Só saberão aqueles que conhecerem o meu lugar!
- Questi ragazzi! And you, foolish little girl, não chores, mamãe foi na roça, papai foi trabalhar..
- J'ai l'insomnie! Dandão, mamã! Dandão, papa!
- There's no mon, no dad, you're a grown up girl now!
- Onde estão mes amies? Parce que je ne sais pas, je ne sais pas!
- Estás sozinha, os erros são só teus, sozinha. Serás julgada sozinha, pas de amicus curiae! Sozinha...
-  Et allez vous pardonnez moi? ? Hypocrĭta! False face must hide what the false heart doth know! Quem não teria feito tudo-tutti, tout-omne, everything por amor?

 Где, как обугленные груши,
С деревьев тысячи грачей
Сорвутся в лужи и обрушат
Сухую грусть на дно очей. 

 (Where rooks, like charred pears, from the branches 
In thousands break away, and sweep 
Into the melting snow, instilling 
Dry sadness into eyes that weep.)

Os morceginhos beijavam-na deixando chagas, seus piparotes não os podiam espantar. As mossas pungiam, ardiam ígneas. Os olhos turbulentos velavam afogados em manchas negras, era tudo lama. Os pesadelos batiam mais suas asas, e chiavam e piavam e gritavam! Seus olhos turvos a derramar o líquido mais precioso da humanidade....
Seus olhos vertiam-se em lágrimas, e, já com a translúcida rusticidade teutônica de uma Mägdlein e não com a ambígua pudicícia libidinosa de Mademoiselle, chegava, então, ao topo da torre. Lady Macbeth, então, soltou os cabelos embaraçados, emaranhados, desgrenhados. Não havia honra, não havia méritos, não havia belas histórias para se contar estando presa ali. Não havia príncipes vindo em seu resgate. Não havia mais o rei cuidando de sua esposa. Não havia mais a Escócia para si. Havia fantasmas, havia pesadelos, havia loucura.
A mulher, como Ismália, pensava em ruflar as asas que Deus tinha lhe dado, mas sua alma pesava em demasia para ascender aos céus, ela sabia. Seu suicídio só poderia ser um ato de anomia, revelia. Oras, sem indultos, ela havia de admitir as consequências durante o tempo devido ou morrer. Morrer era o que ela menos temia. Ela temia mais a solidão, a carcereira Solitude que já a escoltava desde que um dia deixara de passear livre pela realeza por causa de suas verdades-mentiras. Ela temia os mocergos, que já voavam  ali pelo seu calabouço triste. Ela temia os sonhos maus, que vinham sempre ao nascer de todas as noites. Eram sonhos angustiados, pungentes. Os sonhos eram deveras os grilhões daquela torre. Até quando ficaria presa ali?


 Под ней проталины чернеют,
И ветер криками изрыт,
И чем случайней, тем вернее
Слагаются стихи навзрыд. 


(Beneath - the earth is black in puddles, 
The wind with croaking screeches throbs, 
And, the more randomly, the surer 
Poems are forming out of sobs.)

Sem escapismos até o fim, donzela. Where are you going to hide from yourself?


Presto aqui, e em russo mesmo, respeito e gratitude ao caríssimo autor do poema, Boris Pasternak e à sua irmã mais nova,  sua tradutora para o inglês, Lydia Pasternak.
Большое спасибо

Do Esquecimento

- Por que escreves?
- Escrevo para esquecer.
- Até quando vais falar de mim ainda, então?
- Serás em meus escritos até que eu possa cercear o oceano - que enxergo, simplesmente - com linhas que, pouco a pouco, desenharão teus contornos; enfim, até que eu componha uma imagem humana livre das peripécias da engenhosa menina Psiquê.
Não haverá profundidade, posto que serás um homem qualquer, cuja alma apática não será mais amada por mim - que mergulho somente quando me espicaça o desejo -. Tu me sorrirás frio e sujo, mas desmistificado; guardarei de ti somente amor fati, e te sorrirei também.
Não haverá mais cicatrizes que eu veja em tua face, não serei mais grata, pela tua vida, a deuses que tu desprezas. Serás uma notícia fortuita apenas, um evento qualquer feito da vontade de potência, tal qual uma combinação niilista do cosmos, fria e suja, mas desmistificada.
Serás, um dia, uma sombra vagando omissa e desnorteada em minha memória, até que as palavras te puxem pela mão, e que tu passes diante de mim como um vulto enegrecido a se distanciar, e a levar consigo, frio e sujo, lembranças desmistificadas.
Verei, então, uma forma humana lá longe, no horizonte, sobre a qual escrevo desmistificadamente, sem saber sequer seu nome. Ouvi dizer que era humano demais. Ouvi dizer que estava ferido. Ouvi dizer que foi amado demais. Ouvi dizer que era profundo. Ouvi dizer que tinha olhos verdes. Ouvi dizer que era bonito, muito bonito.
Mas eu não sei.

sexta-feira, 6 de janeiro de 2012

Da Inércia


Onde está a lira e sua poetiza?
E o querer? O desejo? O anseio?
A avidez? A paixão?
A intensidade? A imensidão?
Onde há de se saber a beleza irremediável de ser?

No amor? Na sabedoria?
Na comunhão? Na solitude?
No bulício? No silêncio?
Na saudade? Na esperança?
Na caridade? No asco?
Na honra? Na perda?
Na justiça? Na conquista?
No sorriso? Na lágrima?
Nas revoluções? Nos descaminhos?
Nas diligências? Nos caminhos?
Nos alfas? Nos ômegas?

Na simplicidade do tempo?
Na plenitude do tempo?
Na eternidade do tempo?
Na permanência da memória?

Na bebê frágil e seus passinhos determinados?
Na menina dócil e suas borboletinhas coloridas?
Na moça de face rubra e seus amores castos?
Na mulher virtuosa e seus feitos grandiosos?
Na senhora sábia e suas palavras exatas?
Na morte branda e naqueles que remanescem?

Quem pode salvaguardar uma vida inteira no ventre para sempre?
Quem é que encontrou a vida órfã numa cesta aguardando à porta?
E o que ou quem há de saciar a inquietude humana?
O que há para curar esse vazio lancinante no peito?
O que há de ser da ciência indesculpável de sermos, simplesmente?
Como refrearemos o amor abundando apaixonado em nossas veias?

Como impediremos a angústia de correr ácida em nossas artérias?
Como vedaremos o peito da infecção?
Como aniquilaremos aquilo que somos em essência?
Como nos desvencilhar de nossa matéria prima?

O que seríamos nós senão humanos?
O que seria de nós senão a humanidade?
O que seria a vida em nós senão a consciência humana?
O que seria, então, a beleza em nós senão a própria vida?

Quem sou eu

Minha foto
Camille Lyra. O nome fala muito da feição, tanto na sua significância quanto na sua origem; já o sobrenome faz jus à escrita predileta da autora. Sempre curiosa demais, sonhadora demais, ambiciosa demais, romântica demais, intensa demais. E, daquilo que exceder tudo isso, faço poesia.