Entre, leia e ouça-me...

quinta-feira, 19 de janeiro de 2012

Dos Meus Namorados


Hoje acordei com vontade de contar um segredo. Promete guardá-lo? Não conte a ninguém, tá? Tá! Há muito que venho escondendo um-e-depois-mais-outro-e-mais-outro dentro do quarto no armário, nas gavetas, nas estantes, dentro do travesseiro... e agora são tantos que não posso mais os controlar! Vez por outra deixo sem querer algum escapulir e sair aprontando pirracento por aí, só porque não o apresentei a ninguém. Está bem, está bem, eu conto! Sou uma mulher poliandra. Quê? Poliana? Poliandra!
Tenho mesmo muitos muitos namorados! E, aham, eles sabem tudo! Tudinho? Tudinhozinho! Zin-zin? Zin-zin-zin! Oras, como alguém como muá, una amante impetuosa de las cosas hermosas, poderia escolher dentre todos eles só um? Pas possible!
Mes petit amis são verdadeiros sedutores, de um charme peculiar e venenoso. São verdadeiros magos perversos, sempre se divertindo às custas da minha ingênua, coitadinha dela, lucidez. Eles me enlouquecem, me vencem pela paixão, pelo desejo, pela vontade de ser e de acontecer e... ahhhhhh, mes amoureux magnifiques! Estou perdida e irremediavelmente apaixonada por eles, os meus pensamentos, ideias encantadoras!
Quando esses genuínos príncipes ainda persistem fielmente em me acompanhar pelas esquinas e até a porta, então, pronto: c'est l'amour! Dou-me a preparar cerimoniosamente nosso ninho, provido de lápis, borracha, caneta e, claro, um caderno romântico, em que possamos desflorar os prazeres mais imensos e mais irresistíveis da carne durante fins de tarde intermináveis de cocktail parties for two, e às noites estreladas e cheias-de-lua, como dois foras-da-lei secretamente amando em cima do telhado, e ainda, para os mais vorazes, tenras manhãs de carícias e cantos etéreos...
Enfim, eu acabo por estar eternamente enamorada depois disso. Meus pensamentos ciumentos arrajaram esse meio de garantirem que eu nunca os esqueça, this foxy cunning tiny little creatures o' mine. Daí sugem os textos, os retratos, as provas concretas de que a libertina Psiquê anda a se divertir por aí com todas as ideias e todos os pensamentos que lhe dão na telha.
Leitor, namorados; namorados, leitor. Devidamente apresentados, enfim. Oras, vejam só as coisas loucas que esses meninos me fazem contar! Está melhor agora, meus amores? Não? Acho bom! Agora comportem-se e vamos me ajudar com o próximo post, por favor.

terça-feira, 10 de janeiro de 2012

Em Babel (das confissões)

Era uma vez um vestido róseo de cetim que percorria as escadas sem-fim em degraus soberbos absolutos. Havia em meio aos laços, às purpurinas, aos arrebiques e às joias da indumentária a dama, dona de uma cútis virginal - porém dissimulada, que aquela era deveras entendida de caminhos outros-. As longas negras madeixas de mademoiselle já seriam aptas para encobrirem-na de toda sua garbosa nudez, tão extensas que eram; mas suas vagas-quase-cachos estavam rendidas em uma trança austera que rastejava cada vez mais alto, ao infinito intangível das escadas. Seus fios, domados tal como ela. Mademoiselle, atada a infinitos que escalava sem sabê-los incompreesíveis.


 Февраль. Достать чернил и плакать!
Писать о феврале навзрыд,
Пока грохочущая слякоть
Весною черною горит. 

(Black spring! Pick up your pen, and weeping, 
Of February, in sobs and ink, 
Write poems, while the slush in thunder 
Is burning in the black of spring.)

Os olhos naquele vestido ignesciam para a noite primaveril recém-nascida. Pré-matura esta criança era, que a dama carregava nos braços tão frágil, tão fria. Ela embalava o choro, fazendo-lhe um berço morno com laços e purpurinas e arrebiques e jóias de cetim. Sua mãe amou a cria e, com um ósculo seco, bebeu da via láctea, que transbordou no seio; era a Madrugada...
O seio arfava, exaurido, já se rendia pouco a pouco, exausto da vigília. Era sempre mais alto, ela subia os degraus autômata-resoluta. Seus olhos cediam, piscavam, faiscavam, extinguiam... uma lânguida melancolia vinha pairando, tomando o governo absoluto das escadas; e a madrugada, safa dos braços, saía a engatinhar brincando pelos degraus da torre de Rapunzel.
A princesa subia insone. E, mais do que vestidos encantados e longas madeixas e chamas rubras e melífluos filhos do tempo, havia pesadelos e morcegos negros negros negros e chuva e trovões e tempestades.
E ébria ascendia ansiando escapar de seus funestos desvairos.
E sonhava com um anoitecer distante em que agouros maus morsegavam sua tez glacial apática. Eram aflitos aqueles olhos que a ninguém luziam mais; posto que restara nada. Subsistira somente aquele corpo qualquer prostado, enfadonho, desmoronando em uma torrente.

Достать пролетку. За шесть гривен,
Чрез благовест, чрез клик колес,
Перенестись туда, где ливень
Еще шумней чернил и слез


(Trough clanking wheels, throughg church bells ringing
A hired cab will take you where
The town has ended, where the showers
Are louder still than ink and tears)

Ela fizera de tudo nada-niente-nothing. Era uma donzela troçando das cousas sérias. Negligente. Egoísta. Mentirosa. Impassível. Traíra sem pensar em nada-niente-nothing-rien-nihil. E professava que mentiras eram verdades pelo palácio, cínica, sonsa. Não tinha sido por amor.
- ...é logro!
- Que há, moça? Que há?
- É tudo-tutti, everything, tout-omne, Cuca! Ho perso il mio cuore... (et est-ce que ubi amor, ibi pax? C'est ça?) Então, não há de se fazer qualquer coisa por isso?! Só saberão aqueles que conhecerem o meu lugar!
- Questi ragazzi! And you, foolish little girl, não chores, mamãe foi na roça, papai foi trabalhar..
- J'ai l'insomnie! Dandão, mamã! Dandão, papa!
- There's no mon, no dad, you're a grown up girl now!
- Onde estão mes amies? Parce que je ne sais pas, je ne sais pas!
- Estás sozinha, os erros são só teus, sozinha. Serás julgada sozinha, pas de amicus curiae! Sozinha...
-  Et allez vous pardonnez moi? ? Hypocrĭta! False face must hide what the false heart doth know! Quem não teria feito tudo-tutti, tout-omne, everything por amor?

 Где, как обугленные груши,
С деревьев тысячи грачей
Сорвутся в лужи и обрушат
Сухую грусть на дно очей. 

 (Where rooks, like charred pears, from the branches 
In thousands break away, and sweep 
Into the melting snow, instilling 
Dry sadness into eyes that weep.)

Os morceginhos beijavam-na deixando chagas, seus piparotes não os podiam espantar. As mossas pungiam, ardiam ígneas. Os olhos turbulentos velavam afogados em manchas negras, era tudo lama. Os pesadelos batiam mais suas asas, e chiavam e piavam e gritavam! Seus olhos turvos a derramar o líquido mais precioso da humanidade....
Seus olhos vertiam-se em lágrimas, e, já com a translúcida rusticidade teutônica de uma Mägdlein e não com a ambígua pudicícia libidinosa de Mademoiselle, chegava, então, ao topo da torre. Lady Macbeth, então, soltou os cabelos embaraçados, emaranhados, desgrenhados. Não havia honra, não havia méritos, não havia belas histórias para se contar estando presa ali. Não havia príncipes vindo em seu resgate. Não havia mais o rei cuidando de sua esposa. Não havia mais a Escócia para si. Havia fantasmas, havia pesadelos, havia loucura.
A mulher, como Ismália, pensava em ruflar as asas que Deus tinha lhe dado, mas sua alma pesava em demasia para ascender aos céus, ela sabia. Seu suicídio só poderia ser um ato de anomia, revelia. Oras, sem indultos, ela havia de admitir as consequências durante o tempo devido ou morrer. Morrer era o que ela menos temia. Ela temia mais a solidão, a carcereira Solitude que já a escoltava desde que um dia deixara de passear livre pela realeza por causa de suas verdades-mentiras. Ela temia os mocergos, que já voavam  ali pelo seu calabouço triste. Ela temia os sonhos maus, que vinham sempre ao nascer de todas as noites. Eram sonhos angustiados, pungentes. Os sonhos eram deveras os grilhões daquela torre. Até quando ficaria presa ali?


 Под ней проталины чернеют,
И ветер криками изрыт,
И чем случайней, тем вернее
Слагаются стихи навзрыд. 


(Beneath - the earth is black in puddles, 
The wind with croaking screeches throbs, 
And, the more randomly, the surer 
Poems are forming out of sobs.)

Sem escapismos até o fim, donzela. Where are you going to hide from yourself?


Presto aqui, e em russo mesmo, respeito e gratitude ao caríssimo autor do poema, Boris Pasternak e à sua irmã mais nova,  sua tradutora para o inglês, Lydia Pasternak.
Большое спасибо

Do Esquecimento

- Por que escreves?
- Escrevo para esquecer.
- Até quando vais falar de mim ainda, então?
- Serás em meus escritos até que eu possa cercear o oceano - que enxergo, simplesmente - com linhas que, pouco a pouco, desenharão teus contornos; enfim, até que eu componha uma imagem humana livre das peripécias da engenhosa menina Psiquê.
Não haverá profundidade, posto que serás um homem qualquer, cuja alma apática não será mais amada por mim - que mergulho somente quando me espicaça o desejo -. Tu me sorrirás frio e sujo, mas desmistificado; guardarei de ti somente amor fati, e te sorrirei também.
Não haverá mais cicatrizes que eu veja em tua face, não serei mais grata, pela tua vida, a deuses que tu desprezas. Serás uma notícia fortuita apenas, um evento qualquer feito da vontade de potência, tal qual uma combinação niilista do cosmos, fria e suja, mas desmistificada.
Serás, um dia, uma sombra vagando omissa e desnorteada em minha memória, até que as palavras te puxem pela mão, e que tu passes diante de mim como um vulto enegrecido a se distanciar, e a levar consigo, frio e sujo, lembranças desmistificadas.
Verei, então, uma forma humana lá longe, no horizonte, sobre a qual escrevo desmistificadamente, sem saber sequer seu nome. Ouvi dizer que era humano demais. Ouvi dizer que estava ferido. Ouvi dizer que foi amado demais. Ouvi dizer que era profundo. Ouvi dizer que tinha olhos verdes. Ouvi dizer que era bonito, muito bonito.
Mas eu não sei.

sexta-feira, 6 de janeiro de 2012

Da Inércia


Onde está a lira e sua poetiza?
E o querer? O desejo? O anseio?
A avidez? A paixão?
A intensidade? A imensidão?
Onde há de se saber a beleza irremediável de ser?

No amor? Na sabedoria?
Na comunhão? Na solitude?
No bulício? No silêncio?
Na saudade? Na esperança?
Na caridade? No asco?
Na honra? Na perda?
Na justiça? Na conquista?
No sorriso? Na lágrima?
Nas revoluções? Nos descaminhos?
Nas diligências? Nos caminhos?
Nos alfas? Nos ômegas?

Na simplicidade do tempo?
Na plenitude do tempo?
Na eternidade do tempo?
Na permanência da memória?

Na bebê frágil e seus passinhos determinados?
Na menina dócil e suas borboletinhas coloridas?
Na moça de face rubra e seus amores castos?
Na mulher virtuosa e seus feitos grandiosos?
Na senhora sábia e suas palavras exatas?
Na morte branda e naqueles que remanescem?

Quem pode salvaguardar uma vida inteira no ventre para sempre?
Quem é que encontrou a vida órfã numa cesta aguardando à porta?
E o que ou quem há de saciar a inquietude humana?
O que há para curar esse vazio lancinante no peito?
O que há de ser da ciência indesculpável de sermos, simplesmente?
Como refrearemos o amor abundando apaixonado em nossas veias?

Como impediremos a angústia de correr ácida em nossas artérias?
Como vedaremos o peito da infecção?
Como aniquilaremos aquilo que somos em essência?
Como nos desvencilhar de nossa matéria prima?

O que seríamos nós senão humanos?
O que seria de nós senão a humanidade?
O que seria a vida em nós senão a consciência humana?
O que seria, então, a beleza em nós senão a própria vida?

Quem sou eu

Minha foto
Camille Lyra. O nome fala muito da feição, tanto na sua significância quanto na sua origem; já o sobrenome faz jus à escrita predileta da autora. Sempre curiosa demais, sonhadora demais, ambiciosa demais, romântica demais, intensa demais. E, daquilo que exceder tudo isso, faço poesia.