Entre, leia e ouça-me...

sábado, 24 de março de 2012

O Pianista (ou das metodologias transcendentalistas para escapar da rotina)

Espíritos choram famintos, silenciosos, velados, em meio a uns chamados tique-taques, famigerados ruídos patenteados pelo homo sapiens. (Sapiens?)
Esses tique-taques banais são nada mais do que esquecimento. E um esquecer consentido!
"Caro, tique-taque, permito-lhe tiquetaquear em meu peito, inadvertidamente. E permito-me ser levado(a) por todas as suas rotações circunlóquias. Permito-me ensurdecer, ensandecer." 
Dei-me com um desses bípedes por aí outro dia. São muito parecidos com os macacos, às vezes. (Devem ser primos, né?) E esse me disse:
-E o que é esta apatia dengosa, essa misantropia tácita, essa dor insossa, incolor, essa falta-de-graça taciturna? - Cada dia era-lhe um gole da humana garrafa de cicuta pungente. E sem direito sequer a final algum. Não era nem triste, quiçá feliz(-para-sempre)! Era uma solidão no metrô na hora rush. Era rotina de praxe. E só estamos criando o tempo para não termos mais tempo, ok? 
Deve ser coisa de algum gene (ou falta de-) dessa tal de evolução. Mas evolucionismo de ponta, não é Darwin? Nós já fomos amebas! (Fomos? Passado?!). E tem direito a Big Bang e tudo mais. Nietzsche, será que dá pra prever as combinações de forças com probabilidade aplicada? Não me canso de matemática: amor fati, com certeza! Nostradamus devia estar mal das pernas em tabuada...
Mentira, mentira. Esse tal bípede era eu. Cheia de questões, cheia de respostas, solução alguma. Tristeza, apenas. Tristeza calada, consentida, prevista na agenda, procedimento de rotina, cliché.
Tique-taque
Tique-taque
Tique-taque
Tique-taque
Tique-taque
Tique ARGH! QUEM DIABOS NÃO ACHA ISSO INSUPORTÁVEL? -taque
Tique  Eu tenho fome, muita fome. E sede, muita sede.-taque Os lábios ressequidos tique a cabeça não dói, mas, o peito. -taque
Tique Quem pode me dizer o de que preciso? Seu doutor, nasce no peito, na alma, no âmago... ah, como dói meu pobre coração proletário! E corre pelo sangue, e o corpo, cansado, dói. E todos os tesouros burgueses, que paguei com meu caríssimo tempo, não valem nada (deve ser essa tal de inflação...!). Padim Ciço, tu me dê adjitório, que, arre-diabo!, tou jururu, tou capionga, tu não vá me dizer que não tem reza de padre velho que me dê jeito! 
Falta alguma substância essencial, metafísica, transcendental. Que alma é essa que não voa, mas tem asas? Quem pode acreditar que a Psiquê é capaz de viver engaiolada? Ser-ou-não-ser, já não há mais tempo, nem opção. É muito quente perto destas poderosíssimas grandes máquinas, as existências foram fadadas a entrar em ebulição... ei-lo, a partir de então, o duro e frio império do ter-ou-não-ter. -taque. - O síndico, seu Chronos, lá do condomínio não dá arrego pra ninguém.
Pois bem, vou é arriscar fazer um foguetinho de papel, pintar com tinta guache, vermelho-azul-amarelo-rosa, muito colorido, e pronto! Alquimista que sou, só preciso de bicarbonato de sódio e vinagre pra poder partir da  Terra. Um salto pela janela e saio a voar para a Lua, e até beber no seio da dona Via Láctea (Mãe, será que a senhora pode por o Nescau na minha trouxa?). Et au revoir!
Empenho-me na longa viagem, mas ainda há fome, sede, dor e tristeza, todos pungentes como cheiro de raiz-forte, onde foi que deixei a minha cicuta? Houston, we have a huge problem! Minhas fugas são insustentáveis todo dia, são um erguer-a-cabeça-para-não-se-afogar-no-mar. Um mar em que boiam compromissos-agendas-estudo-trabalho-dinheiro, contas-pra-pagar e bocas-pra-alimentar. Qualquer coisa a mais do que isso, é facebook, hora extra ou blábláblá de psicanalista. Hora da famosa atterrissage forcé, mayday, mayday!
Tique Caída, prostrada no chão, jorra água pelo -taque olhar. Tique Tanta água que dá para matar a sede do mundo inteiro -taque, menos a minha. Tique Faz silêncio, e silêncio que traduz-se em solidão, dura e fria, não tenho, nem sou. Tantas respostas, nenhuma verdade. Por que tanto tempo agendado para sofrer?-taque E os sonhos? Quando foi que eles perderam para o automatismo proletariado? Tique 
- A tristeza foi feita para doer, a dor, para se chorar, mas as lágrimas, para serem enxutas. A fome e a sede, para serem sanadas. E o silêncio, para ser preenchido, mas Psiquê, para dançar livre no ar.- Quem me disse isso foi um homem que me estendeu a mão e, levantando-me do chão duro e frio, sentou-me ao seu lado em um banquinho. E ele começou a tocar...

Era uma sala vazia, sem janelas, sem portas, imensuravelmente grande e branca. Ao centro, um contraste: um enorme piano negro, sombrio, tétrico, ali, antes só e calado; mas, ao movimento das suas mãos, cada nota, simplesmente. 
O piano, um manjar, um maná, o pão-de-todo-dia. Um vinho, aussi, un Bordeaux, un Premier Grand Cru - on va boire du Château Latour, s'il vous plaît - Um brinde a Debussy! Chopin! Bach! Et à tous les autres maîtres! Mas aquele Pianista era melhor do que todos esses homens. Juntos.  Porque seu instrumento tinha cordas que vibravam dentro de mim. Porque a música vinha de dentro do meu peito! Porque eu estava para além dos domínios de Chronos, onde não há máquinas, nem vapor, nem fumaça, nem dor, nem tristeza, nem nada. Só música, vontade de dançar, de voar! E levantei, dancei pela sala, dando voltas, piruetas, giros, suspiros, risadas... e o Pianista tocava para mim, dizia que eu dançasse, que era para mim... e eu chorei. Chorei imensamente. Aquela música era para mim... E continuava chorando, sim, mas de alegria... - Caríssimo interlocutor, espero que você possa fechar os olhos e esquecer do resto, aussi, só por uns minutinhos, vai? Dança comigo?
"Então, vamos todos olhar para o mundo com nossos próprios olhos. Será a resposta para a infinita pergunta de nosso intelecto - o que é a verdade? O que é bom? - Construí vosso próprio mundo. Vossa própria mente adotará enormes proporções quando desabrochar. Uma revolução nas coisas irá determinar o fluxo dos espíritos."

Quem sou eu

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Camille Lyra. O nome fala muito da feição, tanto na sua significância quanto na sua origem; já o sobrenome faz jus à escrita predileta da autora. Sempre curiosa demais, sonhadora demais, ambiciosa demais, romântica demais, intensa demais. E, daquilo que exceder tudo isso, faço poesia.