Entre, leia e ouça-me...

sexta-feira, 31 de dezembro de 2010

Réveiller

Eu estava pronta para o início dos fogos. Houve sorrisos, lágrimas, celebrações, decepções, melancolias, força, honra, alegria, tristeza, fidelidade e traições, amizades e vínculos, que se quebraram, que nasceram. E tudo mais que se deve encontrar pelo caminho. Tudo tinha me trazido pela mão até aqui. Então, eu olhava para cima. O céu era nublado, o dia tinha sido chuvoso. Faltava um minuto para meia noite. Foi quando o primeiro risco rasgou o céu com um rastro branco de purpurina. O azul escuro cintilou.
De repente, a noite ficou clara, ia ficando clara como o dia, sem que houvesse Sol, e, então, o infinito tornou-se totalmente branco. Branco, tudo ficara brando. Silêncio. Não ouvi uma voz sequer das pessoas que estavam comigo. Talvez ninguém tivesse nada a acrescentar à imensidão formada diante dos olhos humanos, pequenos. Talvez eu estivesse ficando louca. Completamente louca.
Logo, no centro do meu campo de visão, pude ver um pequeno ponto preto. Esse ponto, então, tornou-se um pouco maior, formava um círculo de diâmetro próximo ao de uma bola de basquete. O buraco, no meio daquela cortina branca, também não era mais preto. Era azul-marinho.
Eu fiquei observando aquela bola de basquete alienígena que ocupava o lugar dos fogos. O que será que... ?
Foi quando surgiu um clarão, juntamente com um vento muito forte que lançou-me no chão. Quando me levantei e olhei novamente, era como se o chão abaixo de mim começasse a subir. Olhei pra baixo e vi que o resto do chão ficava cada vez mais distante. Mais alto... foi quando cheguei a uma determinada altura, tão grande, que eu tinha medo de olhar pra cima. Também tinha medo de olha pra baixo. Tinha medo de perder o equilíbrio e cair.
Tentei o que pude para me equilibrar, mas aquele vento forte soprou novamente e eu fui arrebatada do pedaço de chão que antes me sustentava.  Fechei os olhos, sabia que seria o fim.
Puf! Eu tinha caído em algo fofo. A textura era como se fosse um monte de penas. Ou como se eu entrasse em uma piscina com milhões de minúsculas bolinhas de isopor. Era uma nuvem? Mas...
Então, eu percebi que o céu não era mais branco. Na realidade, estava estrelado, e voltara à sua cor natural, azul-marinho. No lugar da bola de basquete estranha, havia uma estrela, ocupando o mesmo espaço de antes. Era uma estrela gigante.
Essa estrela logo começou a crescer mais ainda, até que dela começou a sair um pedaço, parecia de pano, da mesma cor do céu, só que ainda com mais estrelas que o próprio dono delas. Foi depois que eu percebi que na barra desse pano projetavam-se dois pés. Isso mesmo, dois pés.
Olhei para cima e vi uma mulher de cabelos brancos e muito longos. Seus cabelos corriam até ao final de suas costas, eram completamente brancos. Seus olhos eram duas estrelas que brilhavam mais forte do que qualquer outra que eu já tinha visto antes. Seu lábios eram como se fossem pétalas de uma rosa, suaves. O pano que eu tinha visto primeiro era uma manta que cobria sua pele, como se ela tivesse pego um pedaço do céu emprestado para cobrir sua nudez. Sobre a sua pele, não consegui definir sua cor precisamente. Era como se, cada vez que eu olhasse, ela fosse de outra cor totalmente diferente.
Então, de dentro da manta da mulher, saiu um bebê, enrolado em uma outra manta exatamente como a dela, só que menor. Esse bebê flutuava, acompanhando o olhar dessa mulher. Eu estava pasmada com tudo que via. Era lindo, era imenso. Como tudo aquilo poderia não ser um sonho, um devaneio sem limites?
Enquanto eu formulava questões, a mulher ia, lentamente, dirigindo seus olhos para a minha direção. Eu acompanhava olhando o bebê que veio parar exatamente na minha frente. E ela me disse, sua voz era a mistura de todas as melodias que eu mais gostava, formando uma harmonia perfeita e impossível, "cuide bem dele, minha amada."
Eu senti-me quase que em transe após ouvir aquele som. Eu poderia ficar a vida inteira ouvindo ela dizer qualquer coisa, até mesmo repetindo a mesma coisa até a eternidade: "cuide bem dele, minha amada.", "cuide bem dele, minha amada.", "cuide bem dele, minha amada.", ...
De súbito, eu despertei, como se alguém estalasse os dedos para isso. O bebê estava ali, na minha frente. Então, estiquei meus braços a fim de alcançá-lo. Ao tocá-lo, era a pele suave e macia de um bebê normal. Parecia um bebê normal. Só que tinha os cabelos brancos e os mesmos olhos da mãe. Aninhei-o em meu colo e aproximei meu rosto do dele. Sua mãozinha, então, acariciou-me, como se ele soubesse o que estava fazendo. E eu disse " prometo que vou cuidar muito bem de você, bebezinho.", depois olhei para cima para procurar a mãe. Ela não estava mais lá.
Foi quando eu me perguntei, se dizer em voz alta, como eu iria fazer aquilo sozinha. Então, eu pude ouvir aquela mesma melodia maravilhosa tocando, que dizia claramente "você não está sozinha, eu estou com você sempre.", "você não está sozinha, eu estou com você sempre.", "você não está sozinha, eu estou com você sempre.", ...e novamente o dedo se estalou e eu pude ouvir o bebê chorar, seu choro era uma linda melodia também, mas não como a voz dela, era como uma só flauta tocando.
De repente, silêncio. E, olhando pra cima,o clarão voltara, depois o céu branco, e enfim nublado e riscado de purpurina. Pude ouvir as vozes dos meus familiares primeiro, como se eu estivesse saindo de um isolamento acústico aos poucos. Depois pude ouvir outras vozes mais ao longe. Depois ouvi gritos, e ouvi o barulho dos fogos, mas era como se tudo isso estivesse passando diante dos meus olhos e eu não conseguisse assimilar. Como se eu ainda estivesse dormindo, sonhando aquele sonho.
Então, percebi que o bebê não estava mais lá. Eu ainda ouvia seu choro como se uma mosquinha tivesse entrado em meu ouvidoe tocasse dentro da minha cabeça. Mais distante ainda, ainda ouvia a harmonia maravilhosa que era a voz dela dizendo que eu nunca estaria sozinha. Uma mão, de repente, tocou meu ombro:
-Filha, que esse Ano Novo te traga muito crescimento, ele apenas acaba de nascer. Há muito pela frente! Feliz Ano Novo, minha querida.. - meu Pai dizia em meu ouvido.
- Seja bem vindo, Ano-Novo! - disse ao bebê, chorão e recém-desperto.
E foi quando eu despertei também.

2 comentários:

  1. Bonita historia
    seu ano começo de modo incrível hein
    hahaha
    Feliz ano novo

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  2. Simplesmente lindo, envolvente e apaixonante ! Como não se surpreender com palavras tão contagiantes.
    Parabéns ! :)

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Quem sou eu

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Camille Lyra. O nome fala muito da feição, tanto na sua significância quanto na sua origem; já o sobrenome faz jus à escrita predileta da autora. Sempre curiosa demais, sonhadora demais, ambiciosa demais, romântica demais, intensa demais. E, daquilo que exceder tudo isso, faço poesia.