Entre, leia e ouça-me...

sábado, 29 de outubro de 2011

Em Pasárgada (O Último Diário de Ela - IX)

Minha arte, caro diário, tem andado meio míope, meio bêba a tropeçar nestas sarjetas, que a vida deixa pelos cantos para escoar virtude e alma dos fracos. Pois digo uma coisa: se eu já aprendi a levantar - e não por medo de morrer, mas vontade de viver-, a minha arte, Ela, vem comigo, sustentada em meus ombros, a aprender também.
- Vamos, moça, hora de acordar, hora de levantar, hora de irmos a outro lugar!
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O início trata-se de um despertar. Ao abrir os olhos, a luz do dia fere a vista e arde na pele. E eu o vejo pura e simplesmente, sem idealizações:
- És humano demais, amor. - Uma vez chorei ao ver que eras uma tristeza incicatrizável angustiada. Fiz-te meu, então, no meio de uma multidão qualquer. Segui-te até aqui, amei-te quase em secreto e, juro, quis-te dono de um sorriso que fosse eterno. Até estive mirabolando planos para roubar-te o sorriso mais lindo do mundo! Mas mal posso lembrar-me das vezes que vi-te ser sincero contigo mesmo, querido...e a Felicidade não se finge, não.
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Era uma vez esse homem que dizia que a Felicidade era efêmera. Eu, ansiando dar-lhe qualquer coisa que pudesse guardar além da vida e além do tempo, redigi umas cartas também tristes incicatrizáveis angustiadas para que pudesse acariciar seu rosto lindo, e olhar nos seus olhos profundos de Oceano. E por pouco também não desaprendi o que quis mostrar.
Ele, ele foi intransponível até o fim. Mas foi ele em cada sonho meu. Mas, em cada sonho, ele foi meu. Eu sei quantas vezes ele parou para me ouvir contar histórias e sonhos, eu sei que ele ouve o meu despertar ainda agora.
- Estás aqui, diante de mim, eu sei, amor. Não há pudores em mim, nem medos, nem incertezas. Serias sempre uma história minha, eu disse, e assim remanescerás: pelas palavras...
Estas palavras serão simplesmente o fim, tão próximo, de mais uma anedota romantiquinha. Estas palavras serão um meio para alcançares a mim, igualmente tão próxima. E estas palavras serão o princípio para alcançares a ti mesmo, deveras tão distante.
...Eu prometo.
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-Ei, Autora, tem cicuta?!
-Não, vamos logo embora daqui! - e Ela me estende a mão
-Só mais uns goles, não quero levantar... - permaneço: vi seu vulto acompanhado de uma mulher bonita, e com as mãos dadas brincando por ai...
- Eu? Eu sou só uma criança... - ela tinha o corpo mais bonito que o meu. ela tinha os traços mais bonitos que os meus. ela tinha os olhos mais bonitos que os meus. ela tinha as madeixas mais bonitas que as minhas. ela tinha a beleza mais bonita que a minha. ela era bonita. ela era como Ele. Ele talvez gostasse mesmo dela. O nome dela era mais bonito que o meu: ela era a Próxima, ela chamava-se natália, luiza, aline, fernanda, o nome dela era Adriana, do Allen.
Não que assim eu me deixasse estar perdida na escuridão romântica da cidade luz dessa história. Eu amava Adriana também, até que (não espere o meu perdão amanhã, nem espere que sejamos tal como antes outra vez. Ser perdoada não é ser esquecida. Perdoar é pagar um preço, querida. Fui eu quem pagou) Adieu, Belle Époque!
Mas cuide dEle, sim? Seja dEle enquanto não passas no tempo. E que Ele encontre-se em você. Que Ele encontre a si mesmo em você... E Ele se descobrirá enfadado de toda a arte de viver mais uma vez, e se cansará de você, Adriana. E será só porque Ele não suporta ver-se em você. Ele não suporta aqueles malditos espelhos quando sóbrio (e dê-lhe un contos de fadas uma vez ao dia, quando ele já estiver alto, não o deixe perceber!). Ele estará com você apenas para esquecer (de si), mas cuide dele mesmo assim.
- Ah, Oceano... tu cabes num aquário! E não tenho receios, nem ressentimentos, que eu te amei de verdade. Cabes no aquário porque queres, Oceano. Quantas vezes serás sufocado por si mesmo? Quantas vezes até que compreendas que  os olhos não foram feitos como prisões, foram feitos como janelas para a alma, para os sonhos... És tão imenso, Oceano, mas te fizestes diminuto em si mesmo, trancafiado atrás do verde por que me apaixonei. És intransponível, intangível até o fim. Por isso, és humano demais...
Rabugento demais. (há tanta dor na ausência. há o desgaste da impaciência) Austeras, as tuas palavras alcançaram-me. (a incerteza, o desaprender, o incompreender...) Prepotente demais. (would you? and what if I begged, while this silence still, just to hear you say no?) Há pedras ao teu redor, uma sob a outra, feitas uma muralha que ninguém pode sobrepor, amor. (a saudade é o avançar das ondas, em vão) A tua fortaleza te guarda de tudo e todos, os teus olhos são verdes porque refletem um horizonte feito de esperanças, cujas vagas não podem alcançar-te tão alto. Ermo, és um oceano deserto por causa da solidão, querido. Lerás essas palavras e sequer buscarás alguma verdade nelas, pois estás sempre certo (não quero mais falar, não quero mais pensar... que importa? tudo se desfaz, então...)
E Tu me dizes ser linda, charmosa, inteligente (mas que eu te espere, te ame...) Só que, enfim, eu te esquerei. E olharei nos teus olhos através destas palavras e saberás que te esperei, que te amei, até que- tu estás a atravessar a rua com Adriana.
(Adriana, take care of him, please, please, please! Adriana, tu va passer aussi!)
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- Vamos! Levante-se! Já é pleno dia, e o dia já é pleno! Venha, eu te ajudo, minha querida, está tudo bem, vou cuidar dessas feridas... eu te ajudo!
- Mas, Autora, me deixe ao menos ter uma Despedida? Chame-o, não deixe que Ele se vá! Eu o amo e as palavras me privam de dizê-lo!
- De quem falas, minha cara? Não há ninguém aqui, nós apenas... oras!, deves estar sonhando outra vez! Vamos embora de Pasárgada, venha, criança!
- Eu não sou só uma criança. Eu sou um vento leve, sou uma essência qualquer, insana e apaixonada, peso mais que aquilo que meu corpo sustenta. Sou uma poeta que gosta de arte!
- Oras! E não é que essa vida é cheia das contradições?...

Um comentário:

  1. sempre intensa, tão frágil e linda... Qd vou ter lugar nas suas palavras tb?

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Quem sou eu

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Camille Lyra. O nome fala muito da feição, tanto na sua significância quanto na sua origem; já o sobrenome faz jus à escrita predileta da autora. Sempre curiosa demais, sonhadora demais, ambiciosa demais, romântica demais, intensa demais. E, daquilo que exceder tudo isso, faço poesia.