- Por que escreves?
- Escrevo para esquecer.
- Até quando vais falar de mim ainda, então?
- Serás em meus escritos até que eu possa cercear o oceano - que enxergo, simplesmente - com linhas que, pouco a pouco, desenharão teus contornos; enfim, até que eu componha uma imagem humana livre das peripécias da engenhosa menina Psiquê.
Não haverá profundidade, posto que serás um homem qualquer, cuja alma apática não será mais amada por mim - que mergulho somente quando me espicaça o desejo -. Tu me sorrirás frio e sujo, mas desmistificado; guardarei de ti somente amor fati, e te sorrirei também.
Não haverá mais cicatrizes que eu veja em tua face, não serei mais grata, pela tua vida, a deuses que tu desprezas. Serás uma notícia fortuita apenas, um evento qualquer feito da vontade de potência, tal qual uma combinação niilista do cosmos, fria e suja, mas desmistificada.
Serás, um dia, uma sombra vagando omissa e desnorteada em minha memória, até que as palavras te puxem pela mão, e que tu passes diante de mim como um vulto enegrecido a se distanciar, e a levar consigo, frio e sujo, lembranças desmistificadas.
Verei, então, uma forma humana lá longe, no horizonte, sobre a qual escrevo desmistificadamente, sem saber sequer seu nome. Ouvi dizer que era humano demais. Ouvi dizer que estava ferido. Ouvi dizer que foi amado demais. Ouvi dizer que era profundo. Ouvi dizer que tinha olhos verdes. Ouvi dizer que era bonito, muito bonito.
Mas eu não sei.
Era humano demais.
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